Falar em desafios da mineração parece redundância, afinal, a atividade sempre enfrentou e venceu problemas ao longo da história, desde que o ser humano começou a trabalhar os metais, arar a terra, encantar-se com pedras preciosas… Contudo, este momento é de transformação profunda em âmbito global: mais do que crescer com responsabilidade, a atividade minerária vê-se frente à possibilidade de contribuir efetivamente para a transformação energética, a eliminação – ou quase – da emissão dos gases geradores do efeito estufa e a descarbonização da economia.
Essa responsabilidade vem sendo incorporada pelas empresas da cadeia da mineração, com aliados de peso, como as práticas de ESG, sigla que significa Environmental, Social and Governance (governança ambiental, social e corporativa, em tradução livre do inglês), que integra o debate em praticamente todos os setores.
O risco ambiental é a ameaça que mais preocupa os entrevistados, incluindo as novas regulamentações relacionadas ao tema. Além disso, investidores e outros públicos estão mais atentos às questões que afetam as mudanças climáticas, o que coloca a indústria de mineração na mira das demandas desses grupos por transformação. No contraponto, há sinais de que os líderes do setor estão usando o período de crescimento atual para reinvestir e se comprometer com um futuro mais verde e sustentável, em que pese as incertezas intrínsecas à atividade.
Dois outros fatores somam-se a este cenário: a necessidade de relações com a comunidade e licença social para operar; e os riscos em relação à volatilidade dos preços das commodities. Em que pese o ambiente instável dos últimos anos, houve crescimento significativo na demanda por minerais.
Essas pautas permeiam o Global Mining Outlook 2022, pesquisa da KPMG que apresenta as visões atuais de mais de 300 líderes empresariais de 23 países, incluindo o Brasil, sobre os riscos enfrentados pelas organizações globais de mineração. Integra, também o 2023 Global Mining and Metals Outlook, da KPMG, estudo realizado com 434 executivos de mineração e metais com vistas a analisar desafios e oportunidades para o setor, em especial no que se refere à descarbonização. Cenários específicos do Brasil e da América do Sul também foram analisados.
Destacando o otimismo presente no setor mineral, o Global Mining Outlook 2022 computa que mais de seis em cada dez entrevistados concordam com a necessidade de as empresas de mineração adotarem novos modelos de negócios para responder às mudanças do cenário atual, como alianças estratégicas e private equity. E a tecnologia é apontada como importante aliada dessa transformação, pois 46% dos entrevistados esperam que grandes inovações nessa área revolucionem o setor nos próximos três anos.
Uma das grandes contribuições esperadas das tecnologias emergentes é a possibilidade de gerarem soluções para a redução das emissões de carbono. Entre os líderes pesquisados, 87% deles acreditam que a tecnologia desempenha um papel fundamental para enfrentar os desafios dos fatores ESG.
Por sua vez, o estudo 2023 Global Mining and Metals Outlook ressalta que, para a indústria de mineração e metais, há um grande desafio: deve rapidamente aumentar a produção para fornecer aos negócios globais os minérios de que necessitam para um futuro livre de carbono, sem prejuízo ao meio ambiente.
Indica, ainda, que em paralelo as indústrias da mineração precisam reestruturar suas operações para reduzir as emissões de carbono. Não há receita perfeita, mas a certeza expressa pelo estudo é a de que “essa transformação depende muito das abordagens que serão feitas pelos executivos do setor. Na qualidade de líderes empresariais, os executivos terão a responsabilidade de guiar a indústria para um caminho mais sustentável e mostrar para o público que está fazendo isso da maneira certa. O fato é que nunca houve uma demanda tão grande por metais e minerais; ao mesmo tempo, nunca houve tantos obstáculos, inclusive ambientais, ao desenvolvimento de novas minas”.
Os desafios não são exclusividade das mineradoras, também afeta os fabricantes de aço e outros materiais, e não eliminam o otimismo dos entrevistados. No geral, eles demonstraram confiança na capacidade de suprir o aumento na demanda por minerais essenciais às tecnologias de energia limpa.
O rápido progresso das mineradoras na redução das emissões de carbono é combustível para os investimentos e também incentivo para outra prioridade: melhorar a eficiência do consumo de energia para esse setor.
Recorte América do Sul e Brasil – Os dois estudos da KPMG são globais, mas o relativo à mineração e metais divulga um recorte com os respondentes da América do Sul e especificamente do Brasil.
Em âmbito continental, 45% dos entrevistados afirmam que a exploração de tecnologias alternativas de baixa emissão (como a reciclagem de carbono em circuito fechado para o aço) será priorizada. Entre os brasileiros, 53% compartilham desse posicionamento.
Entre as ações apontadas para cumprimento das metas de ESG, no quesito ambiental, é reconhecido o papel crucial das empresas mineradoras na transformação de carbono. Com relação ao social, os executivos consideram os benefícios aos funcionários como o melhor jeito de lidar com o impacto social dessa atividade.
Especificamente os entrevistados do Brasil apontaram as seguintes prioridades: melhorar a segurança dos trabalhadores (50%); pagar um salário digno (38%); prevenir todas as formas de assédio no local de trabalho (30%); fornecer benefícios não salariais, como assistência médica, licença remunerada e aposentadoria (30%); e incentivar a sindicalização da força de trabalho (30%).
Já os sul-americanos também colocam a melhoria da segurança dos trabalhadores em primeiro plano (47%). Em seguida, eles consideram mais importante pagar um salário digno (36%) e fornecer benefícios não salariais, como assistência médica, licença remunerada e aposentadoria (30%).
Garantir segurança operacional e ambiental: fundamento da agenda ESG
O ESG integra o debate em praticamente todos os setores. Na mineração, esse tema é mais central, em consequência de seu impacto direto no meio ambiente, historicamente registrando, em âmbito global, acidentes derivados da falta de governança. No entanto, pelo que sinalizam 55% dos líderes de mineração consultados na pesquisa da KPMG, as questões de ESG ainda não foram totalmente compreendidas em todo o mercado.
Para esse grupo, como consta no relatório, “a falta de clareza sobre as iniciativas de ESG, as inconsistências nas regras nos diferentes países e as regulamentações sobre o tema alteradas constantemente desanimam as perspectivas otimistas de crescimento”.
Estudo recente, feito pela Ernst & Young Global Limited (EY), em parceria com o IBRAM, apresentou mais uma análise sobre os impactos da atividade mineradora no meio ambiente: o tema foi o mais citado por todos os executivos entrevistados.
Afonso Sartorio, líder de Energia e Recursos Naturais da EY, declara que tanto no mundo, quanto no Brasil, as empresas estão empenhadas de forma mais intensa no implemento de soluções que garantam segurança operacional e ambiental, seja por meio de projetos de engenharia, ou por melhor monitoramento e governança. E, como ferramenta, utilizam o desenvolvimento comportamental e o suporte do monitoramento e da automação de processos.
“No que tange ao impacto das operações, também nota-se uma intensificação na implementação de soluções de menor impacto, como o processamento mineral com menor uso de água, o cuidado em investir também no reuso de água nos processos produtivos, além dos investimentos em preservação e recuperação de biomas, entre outras. Iniciativas com reflexos nos estudos da EY, que capturam alta prioridade para temas como ESG, mudança climática e licença para operar, estão dentre as principais do setor”, afirma Sartorio.
Grande parte dos desafios da mineração está associada às evoluções tecnológicas. Nos últimos anos, pode-se observar que as principais mineradoras do mundo estão cada vez mais se conectando com startups, iniciando ou fortalecendo seus programas de inovação aberta, para encontrar soluções que resolvam problemas específicos e que possam acelerar o crescimento da aplicação de tecnologia na companhia.
Dessa forma, é cada vez mais comum nas mineradoras a adoção de processos tecnológicos e o investimento na compra de tecnologias inovadoras e, principalmente, softwares que melhorem processos, tendo a automação das operações do back-office como um dos principais pontos. Com tudo isso, estima-se que as principais estratégias para o crescimento se direcionem para o crescimento orgânico; inovação e transformação tecnológica; e ganhos de produtividade com as operações existentes.
A pesquisa concluiu que a transformação tecnológica é essencial para o aumento da produtividade com efetividade e, consequentemente, dos resultados positivos. Por fim, mostra a existência crescente de conscientização relacionada ao tema ESG nas empresas mineradoras, vinculada aos avanços tecnológicos. A soma dos avanços tecnológicos e das ações vinculadas ao conceito ESG implica mudanças culturais na empresa, e em todos os setores envolvidos na cadeia produtiva, para que as boas práticas sejam de fato uma realidade.