O Brasil é um país jovem e de extensões gigantescas, privilegiado pelas misturas de raças e culturas e, especificamente quanto à mineração, com grande potencial para exploração e desenvolvimento de tecnologias.
Em todas as etapas da mineração, a tecnologia está presente. De acordo com a diretora do Centro de Tecnologia Mineral – CETEM (Unidade de Pesquisa do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação), Silvia Cristina Alves França, “quando lidamos com recursos naturais finitos, muitas vezes localizados em áreas ambientalmente sensíveis ou próximas a comunidades, a presença de aportes tecnológicos aumenta a eficiência dos processos de forma sustentável. Esse procedimento deve estar atrelado à geração de benefícios às comunidades e ao entorno das mesmas, assim como ao meio ambiente, uma vez que a atividade mineradora afeta diretamente a economia e a qualidade de vida dos locais em que ocorre”.
Para a diretora do CETEM, instituto federal de pesquisa tecnológica com foco no desenvolvimento tecnológico sustentável para os recursos minerais brasileiros, o setor de mineração torna-se cada vez mais reconhecido por suas inovações tecnológicas: “A lembrança de uma atividade arcaica e rudimentar tem dado lugar à imagem de processos produtivos mais sustentáveis, tecnológicos, com melhores índices de produtividade, melhores relações com as comunidades em seu entorno, gerando responsabilidade com relação à preservação ambiental”.
Grandes e médias empresas aplicam, cada vez mais, recursos para aquisição e aplicação de tecnologias de ponta, seja em termos de equipamentos, sistemas de integração de dados e inteligência artificial para aumento de produtividade e da segurança do trabalhador, além da capacitação para especialização de profissionais. Nesse contexto, as melhorias incrementais de processos produtivos devem ser consideradas como avanços tecnológicos e de inovação, especialmente nas médias e pequenas empresas. “A automação e as inovações digitais são as palavras-chave deste momento, pois promovem processos mais eficientes, além de trazer maior sustentabilidade e melhores relações com as comunidades locais. Tais tecnologias não somente resolvem os problemas que já existem, mas também transformam os processos operacionais de modo a atingir melhores índices de eficiência, produtividade e lucratividade”, conclui a diretora do CETEM.
Quanto a exemplo de profissionais especializados para áreas estratégicas da mineração, o professor titular e docente permanente do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Mecânica (PPGEM) e pesquisador PQ-02 do CNPq, da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), Hernani Mota de Lima, afirma que hoje encontrar um engenheiro geotécnico disponível para contratação, no Brasil, é como procurar uma agulha num palheiro: “Todos estão empregados, e bem empregados, atuando em barragens de rejeitos e recuperação geotécnica de áreas mineradas. Nosso país é referência em Geotecnia em barragens e sistemas de disposição de rejeitos, e isso nos favoreceu com um desenvolvimento tecnológico excepcional”, constata.
Bacharel em Engenharia de Minas com doutorado em Gerenciamento Ambiental pela University of Wales (País de Gales, Grã-Bretanha), em 2001, Lima atua em pesquisas relacionadas ao desenvolvimento e ao fechamento de minas e gerenciamento ambiental na mineração, o que o coloca em patamar bastante confortável para discorrer sobre o tema. Para ele, entre as causas dos avanços tecnológicos está a rigorosa legislação vigente no Brasil. E, no bom sentido, “é o rigor destas leis que desencadeou o desenvolvimento. Em muitos países, os critérios legais para barragens de rejeitos de mineração não são tão exigentes. E, neste rigor, a mineração brasileira não só merece os parabéns, como também se transforma numa escola cheia de louvores para o mercado interno e externo”.
Segundo Lima, num passado não muito remoto, a mineração envolvia apenas as etapas de pesquisa mineral, desenvolvimento de uma mina e a lavra propriamente dita. Os projetos não tratavam do fechamento de minas com a mais “completa complexidade”, conforme expressa o professor, ressaltando: “Bastava garantir a segurança da área minerada e a sua revegetação que a questão estava resolvida”.
Atualmente, a legislação exige um passo a passo de fechamento adequado. Ou seja, quando da exaustão da reserva mineral, a área minerada, as pilhas de estéril e as barragens de rejeitos, por exemplo, devem ser tratadas de modo a alcançar a estabilidade física, química e biológica para novamente serem incorporadas ao meio ambiente local. Dependendo do potencial e da necessidade da região, uma área minerada poderá se transformar em território industrial, residencial ou de lazer, respeitando as determinações ideais de autossuficiência e sustentabilidade.
“Essas exigências acabaram forçando a indústria de mineração no Brasil a desenvolver tecnologias avançadas de exploração e de recuperação do local minerado. Além das exigências legais, o Brasil apresenta condições de solos e rochas, mais alteradas, fruto de muito intemperismo, de um clima tropical e equatorial, onde há meses de chuvas intensas e longas, ou de estiagens prolongadas que são mais susceptíveis a processos erosivos e instabilidade de taludes, mais intensos que nos países do hemisfério norte”, analisa o professor.
Lima lembra que embora todo o planeta esteja sujeito às mudanças climáticas, no Brasil, as oscilações são muito intensas, interferindo nas características e condições de solo e nas rotinas de trabalho. Por consequência, foram estas peculiaridades que incentivaram ainda mais a necessidade de se avançar na busca por novos conhecimentos tecnológicos. “Somos forçados a investir na descaracterização dessas barragens, no tratamento de rejeitos e no enfrentamento das bruscas mudanças do nosso clima e, com isso, estamos sempre aprendendo e, invariavelmente, evoluindo”, aponta o professor.
Inovação: tema sensível e fundamental
O professor da UFOP argumenta que as universidades contribuem diretamente na geração do conhecimento, com destaque para estudos e pesquisas desenvolvidos nas universidades federais. Todas com um senso comum: disposição para encontrar a essência da inovação, da aplicação de novas metodologias, da capacidade em classificar o material com precisão, não apenas no solo, mas também nas barragens e na identificação dos rejeitos, que muitas vezes podem ser aproveitados, após um refinamento. “As universidades contribuem em muito, porque representam verdadeiros centros de pesquisa. Muitas trabalham junto com as mineradoras, em projetos de parceria em pesquisas, sendo parte delas financiadas pelas mineradoras. Mas os recursos, porém, em sua maioria, chegam por intermédio das grandes empresas”, completa.
Em Ouro Preto, quando se fala em inovação, a UFOP-Universidade Federal de Ouro Preto ganha notoriedade em sustentabilidade na mineração, via sua Unidade Embrapii em Mineração. Nestes casos, há parcerias e contratação de serviços de empresas como CBMM, Vale, Samarco, Gerdau, que atuam em projetos de inovação, em boa parte do setor, inclusive com tecnologias aplicadas ao reaproveitamento de rejeitos, para fins industriais.
Se por um lado o rigor da legislação impulsiona a tecnologia, o fato das cargas tributárias elevadas impactarem fortemente o faturamento das empresas de menor porte faz com que os investimentos em inovações nessas empresas tornem-se limitados, além dos entraves e burocracias regulatórias. Nas pequenas empresas, em boa parte dos casos, investimentos financeiros são direcionados para a manutenção das suas unidades produtivas e, em algumas vezes, a expansões. O que se observa é que inovações estão mais restritas às unidades das grandes e das médias mineradoras, o que cria um gap tecnológico e de inovações no setor minerário brasileiro.
Leonardo Muradas – líder de Negócios Digitais da Innomotics, empresa do Grupo Siemens, antiga Siemens Large Drives – complementa o raciocínio do professor Hernani, acrescentando que não há dúvida quanto à necessidade de ter mão de obra para soluções tecnológicas mais avançadas: “Este é um tema sensível e comum para diferentes setores, tanto para as empresas que produzem tais tecnologias, quanto para clientes. É essencial que as mineradoras identifiquem as necessidades futuras e os talentos que poderão ser preparados para assumi-las”.
Adotando este procedimento proposto por Muradas, a Innomotics dará oportunidades aos próprios colaboradores, motivando-os e aumentando a retenção. Claro que nem sempre isso é possível para todas as posições, seja pela complexidade ou pela quantidade requerida. Nestes casos, ele indica “a parceria com o fornecedor da tecnologia como excelente alternativa. Acima de tudo isso, a mineração precisa trabalhar sua imagem junto à nova geração de estudantes em formação, que é a categoria mais motivada a interagir com novas tecnologias”.
Como formar, então, mão de obra adequada para atender aos atuais níveis tecnológicos da atividade mineral? Muradas responde que o caminho para as empresas de mineração é aquele que investe na formação dos seus talentos e estabelece parcerias com fornecedores de soluções tecnológicas, universidades e entidades. Se isto não for possível, a saída é a contratação direta no mercado, o que não deixa de ser uma boa aposta.
Aproximação entre tecnologia e recursos humanos
Paulo Fernando Almeida Braga, coordenador de Processamento e Tecnologias Minerais do CETEM complementa as informações, acrescentando que pesquisas recentes – a exemplo de trabalho veiculado na Revista Economia & Gestão, 21, de autoria de P. L. Cagni e J. R. de Santana, intitulado “Fomento à inovação no Brasil: programas recentes de formação de recursos humanos” – apontam a insuficiência da formação acadêmica no incentivo ao desenvolvimento de novas habilidades, com foco na capacidade de resolução de problemas, o que requer maior aproximação entre os ambientes de formação e de atuação dos profissionais; neste caso, o ambiente empresarial.
O CETEM participa na formação de recursos humanos para o setor mineral de forma indireta, porém bastante eficiente. É uma instituição integrante do Programa de Iniciação Científica e Desenvolvimento Tecnológico do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq, por meio do qual recebe alunos de graduação para participação, acompanhamento e treinamento em projetos de pesquisa, desenvolvimento tecnológico e inovação, colaborando na formação complementar de profissionais para o setor mineral e afins.
Seus pesquisadores participam da coorientação de alunos de pós-graduação, em parceria com docentes de diversas universidades do Brasil. Adicionalmente, a instituição disponibiliza toda a sua infraestrutura laboratorial e de usina-piloto para o desenvolvimento dos projetos de pós-graduação, além de viabilizar a visitação a unidades industriais de processamento mineral e metalúrgico, o que pode ser considerado como um grande diferencial na capacitação e no ganho de conhecimento dos profissionais.
A iniciativa privada tem papel fundamental na “saga da inovação”, visto que a capacidade de investimento e de priorização do tema pelo poder público é limitada. Por outro lado, há participações importantes do governo brasileiro no setor da inovação, como na EMBRAPII – Associação Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial, uma organização social qualificada pelo Poder Público Federal que, desde 2013, apoia instituições de pesquisa tecnológica fomentando a inovação na indústria brasileira. Um instrumento útil para as empresas que investem em PD&I é a Lei do Bem, regulamentada pelo Decreto 6.260/2007, que em seu artigo 19-A inclui incentivo fiscal específico a empresas, relacionado aos dispêndios efetivados em projeto de pesquisa científica e tecnológica e de inovação tecnológica a ser executado pelas instituições de ciências e tecnologia.
A divulgação de publicações especializadas, além de parcerias com o setor empresarial e com outras instituições de ensino e pesquisa tecnológica nacionais e internacionais, também tem um papel importante no estímulo à inovação, uma vez que compartilham novas tecnologias e, em especial, os benefícios que elas podem trazer para a indústria e seus processos.